Porque é que os políticos continuam a tomar más decisões?

Wednesday, February 15, 2023 by Nick Gill

Este é um artigo escrito pelo nosso convidado Nick Gill, gestor de projecto da Sortition Foundation. A Sortition Foundation faz campanha para transformar a política, actualizando nossa democracia para um sistema que funcione para o povo. Podes encontrar detalhes de alguns de seus projectos actuais no final deste artigo. Embora se concentre principalmente no Reino Unido, muitas das questões que este artigo destaca são também relevantes em outros países. Problemas como estes estão na raiz do apelo da Extinction Rebellion (XR) para que as democracias sejam actualizadas através do uso de assembleias de cidadãos.

A terceira exigência da XR é que os governos criem e sejam liderados pelas decisões das assembleias de cidadãos sobre clima e justiça ecológica. É importante frisar que esta exigência não vai tão longe quanto a substituição dos políticos eleitos, algo que a Fundação Sortition defende neste artigo. No entanto, a justificação da XR para querer envolver muito mais os cidadãos comuns no processo de tomada de decisão decorre de um desejo de abordar os mesmos tipos de questões.

Imagem das Casas do Parlamento em Londres, ReinoUnido.

Imagem de Bidyut Das de Pixabay

"A democracia deve ser algo mais do que dois lobos e uma ovelha votando sobre o que comer no jantar." - James Bovard

É provável que estejas a ler este artigo porque estás assustada, frustrada e irritada com a crise climática. Talvez tenhas acabado de gritar com o rádio depois de ouvir outra entrevista com um político que deveria assumir a responsabilidade de responder rápida e decisivamente, mas, em vez disso, está pronunciando banalidades e desculpas.

É tentador concluir que todos os políticos são *?£$%s… Mas será esta apenas uma resposta fácil? Existe algo mais profundo acontecendo? Será mesmo possível que, ao culpar os políticos pelo nosso fracasso colectivo em diversas questões fundamentais, estejamos a ignorar o facto de que a culpa é do nosso próprio sistema político? Vamos desvendar isto um pouco.

Políticos problemáticos… humanos problemáticos?

Não há como esquecer o facto de que os políticos são, em geral, indivíduos muito particulares. Muitos deles provêm das mesmas camadas da sociedade, muitos partilham uma formação educacional de elite, muitos são independentemente ricos.

O que torna isto tão prejudicial é que há bastante evidências de que os políticos eleitos votam em grande parte de acordo com os seus interesses de classe, e que as preocupações do terço inferior da escala socioeconómica são quase totalmente ignoradas e as do terço médio só são consideradas quando estão alinhadas com as opiniões do terço superior.

Talvez tenhamos então razão em concluir que o problema são os próprios políticos. Se tivéssemos políticos diferentes, talvez tomássemos decisões diferentes. Não é este o objectivo do processo eleitoral?

Imagem de placa com uma seta amarela e a palavra "votar" indicando onde aspessoas precisam ir paravotar.

Imagem de Leslie Andrachuk from Pixabay

Por outro lado, não é verdade que todos temos dificuldade em tomar decisões que ameacem o nosso próprio interesse imediato? Falando pessoalmente, esta é uma verdade a que cheguei depois de muita auto-reflexão. E se esta é uma verdade que estamos dispostos a aceitar e que se aplica a (quase?) todos os seres humanos, então temos de aceitar que também será verdade para os nossos políticos, independentemente do estrato da sociedade de onde provêm.

Quais são as implicações desta verdade para a forma como gerimos a nossa democracia? Consideramos quatro consequências.

Problema 1: curto prazo

As alterações climáticas são um exemplo clássico de uma questão que exige, sem dúvida, que concordemos colectivamente em sofrer alguma dor possivelmente intensa a curto prazo, a fim de melhorar as nossas perspectivas a longo prazo.

Mas as pessoas a quem pedimos que tomem decisões sobre esta matéria são, em muitos casos, políticos de carreira, cuja sobrevivência profissional é reavaliada a cada 5 anos nas assembleias de voto. Precisamos que tomem decisões que potencialmente parecerão muito más para as pessoas comuns durante esse período de tempo mas que serão, esperamos, justificadas pelas consequências que se seguirão daqui a 10, 20 ou 50 anos.

Vender esta perspectiva é bastante difícil, especialmente para um eleitorado que é naturalmente desconfiado quando a classe política lhes diz que precisam de sofrer (mais austeridade?). Uma opção muito mais fácil e que se alinha muito melhor com o interesse próprio do político (e com o interesse próprio colectivo do seu partido) é manter decisões com resultados rápidos.

A ironia é, obviamente, que o próprio mecanismo que consideramos central para uma democracia funcional – eleições regulares – está a impedir activamente a boa tomada de decisões neste caso.

Problema 2: interesses adquiridos

O ciclo eleitoral apresenta obstáculos adicionais quando se consideram os recursos necessários para vencer uma eleição. Os políticos e os seus partidos devem comunicar a sua mensagem num espaço mediático imensamente lotado.

Lotado… e nada imparcial. Qualquer futuro primeiro-ministro sabe que uma linha editorial simpática de qualquer um dos principais jornais dependerá do alinhamento da política com os interesses declarados desse jornal (e dos seus proprietários). Em 1992, o jornal The Sun declarou que “Foi o Sun que ganhou” quando John Major foi reeleito e os políticos têm estado atentos desde então.

Pode-se estender esta análise dos meios de comunicação tradicionais a todos os mecanismos modernos do lobby político. Para as grandes empresas petrolíferas e outras grandes corporações, o ciclo eleitoral oferece um tremendo ponto de influência: estas corporações têm os recursos que permitirão aos políticos cuidar dos seus próprios interesses a curto prazo e voltar ao poder. Infelizmente, um político que adopte uma posição mais íntegra e vire as costas a esses recursos provavelmente diminuirá as suas hipóteses de sucesso eleitoral.

Imagem de notas de dólar no bolso de calças deganga.

Imagem de Alexsander-777 de Pixabay

Problema 3: falta de representação

Dissemos no início que, embora possa ser errado ver os próprios políticos como a causa raiz dos nossos problemas políticos, ainda assim a demografia dos políticos (particularmente em torno de classe, riqueza e educação) apresentam um problema específico.

Num mundo diferente, onde os nossos políticos provinham de todas as áreas da sociedade e eram genuinamente representativos da sociedade que serviam, o problema da nossa luta contra o interesse próprio não seria nem de longe tão prejudicial. Se cada político tivesse um interesse próprio diferente e todos esses interesses fossem orientados em direcções diferentes, então as muitas forças que interviriam em qualquer decisão reflectiriam com precisão as preocupações e prioridades da sociedade em geral. Seria razoável esperar uma resolução que reflectisse o interesse colectivo mais amplo.

O problema presentemente, é que os interesses próprios de muitos políticos muitas vezes se alinham, mesmo através das linhas partidárias. Em primeiro lugar, os nossos legisladores são, pela sua própria posição, pessoas poderosas e bem-sucedidas. O status quo funcionou para eles e funcionou espectacularmente bem. Ameaçar esse status quo estaria em desacordo com o seu próprio interesse individual e com o interesse próprio corporativo da classe política. Exigimos mudança das mesmas pessoas que a mudança mais ameaça.

Problema 4: discurso adversário

O alinhamento do interesse próprio é amplificado pela natureza adversária do sistema Westminster. Os "debates" que vemos no palácio de Westminster não são conduzidos com vista a alargar a compreensão e a aprendizagem sobre o assunto em questão, mas antes são um exercício de pontuação política, de reforçar o capital político de qualquer político ou partido que pode gritar mais alto.

Neste contexto, raramente é do interesse de qualquer político (ou partido) permitir que o seu ponto de vista mude ou se desenvolva – veja-se o desprezo derramado sobre qualquer decisor que ouse "dar meia-volta".

Pode-se imaginar um tipo diferente de discurso – chamemos-lhe deliberativo – em que o ênfase está na livre troca de ideias e experiências e na aprendizagem partilhada sobre o tema em questão. O objectivo de tal discurso seria permitir que todos os participantes transitassem em conjunto, partindo de posições díspares que representassem os seus próprios interesses, para uma compreensão partilhada do que poderia funcionar melhor para toda a população.

Estão as nossa políticas ou a nossa democracia quebradas?

Como resolvemos um problema como a democracia? É um artigo de fé na sociedade moderna que o nosso sistema político é o "mal menor" de todas as alternativas. Pode haver alguma verdade nisso, mas não exclui a possibilidade de que a nossa democracia pode beneficiar de um reinício.

Como nos mantemos fiéis ao lema da democracia de "governo pelo povo, para o povo" e, ainda assim, abordamos algumas das questões que vimos surgirem da interacção do ciclo eleitoral com a nossa classe política?

Nós da Sortition Foundation achamos que a resposta é levar mais a sério a parte "pelo povo" da democracia. A democracia representativa foi desenvolvida neste país, em primeiro lugar, para permitir que homens ricos escolhessem alguns deles para tomar decisões em nome do resto da nação. Ao longo dos séculos seguintes, as pessoas forçaram o establishment a estender a franquia aos homens da classe trabalhadora, às mulheres proprietárias, a todos os homens e mulheres com mais de 21 anos e depois, em 1969, a todos os homens e mulheres com mais de 18 anos.

Imagem histórica de duas mulheres segurando uma placa com as palavras"Votos para asMulheres".

Imagem de http://www.hastingspress.co.uk/history/sufpix.htm, domínio público, via Wikimedia Commons

Mas apesar destas mudanças sísmicas, o sistema "moderno" de democracia sempre garantiu que as pessoas fossem mantidas a uma distância saudável das grandes decisões. Em vez disso, elegemos um representante a cada 5 anos para falar em nosso nome e tomar decisões por nós.

Escrevemos "moderno" entre aspas porque este sistema nos parece estranhamente antiquado. Descrevemos acima algumas das consequências práticas e negativas da nossa democracia representativa tradicional. Em contraste, olhamos à nossa volta e vemos, por exemplo, como os meios de comunicação tradicionais foram subvertidos e colocados nas mãos de indivíduos para criar os meios de comunicação que desejam consumir e damos por nós a perguntar por que não podemos fazer o mesmo com a nossa política?

Actualizar a democracia

A Sortition Foundation propõe que o Reino Unido adopte um sistema de democracia baseado na "lotaria democrática", isto é, na selecção aleatória de pessoas de todo o país que se reúnem como legisladores por um período fixo para tomar decisões em nome de todos nós.

Afirmamos que tal sistema eliminaria a prioridade das decisões de curto prazo que nos são impostas pelo ciclo eleitoral. Os nossos representantes cumpririam um mandato único e fixo, sem reeleição.

Afirmamos que os interesses instalados perderiam grande parte da sua influência. Ao eliminar as eleições, eliminamos a necessidade de os nossos representantes cortejarem aqueles que têm riqueza e recursos. Os lobbies que trabalharam durante anos para garantir que as rodas da mudança se fixassem firmemente no seu lugar seriam sujeitos à vontade do povo, e não o contrário.

Afirmamos que tal sistema garantiria que os nossos representantes fossem provenientes de todas as esferas da vida. Não haveria nenhum "Old Boys’ Club" suavizando a ascensão ao poder da próxima geração de políticos de carreira de fala mansa, escolhidos a dedo. Em vez disso, os nossos decisores seriam os enfermeiros, os professores, os limpadores de rua, os trabalhadores das lojas, os reformados, os que abandonaram a escola, etc., que constituem a população desta nação.

Imagem composta por 24 imagens menores, cada uma delas com o rosto de umadulto. Essas imagens mostram uma grande variedade de pessoas de diferentesgêneros, idades e etnias.

Imagem da Fundação Sortition

Afirmamos que tal sistema permitiria que as decisões fossem tomadas através de um processo de deliberação cuidadosa e ponderada, em vez de através de pontuação adversária. A sabedoria e a experiência de vida das pessoas comuns informariam as decisões e permitiriam a realização de debates e discussões.

Tal processo não será fácil – as pessoas comuns podem discordar umas das outras tanto quanto os políticos! No entanto, estas divergências reflectirão os diferentes pontos de vista da população em geral. E, neste aspecto, os decisores num tal sistema terão, sem dúvida, muito em comum: as pessoas que tomam decisões sobre o Serviço Nacional de Saúde (NHS), por exemplo, serão pessoas que sabem o que elas e os seus entes queridos precisarão. Cuidados de saúde financiados publicamente agora e à medida que envelhecem porque, ao contrário da nossa classe política actual, não têm dinheiro para comprar os cuidados de que precisam, quando precisam.

Conclusão

A Sortition Foundation existe para defender uma democracia nova e actualizada. As ideias acima são apenas um ponto de partida – muito mais detalhes podem ser encontrados em uma recente proposta prática para melhorar a democracia na Escócia, bem como nos recursos listados abaixo. Acreditamos que o sistema que propomos resiste a um exame minucioso e convidamos-te a juntar-se a nós na defesa de uma nova democracia no Reino Unido e em todo o mundo.

Este é um argumento que temos de vencer se quisermos tomar colectivamente as decisões que precisamos de tomar: sobre o clima, sobre a saúde e a assistência social, sobre a imigração, sobre a igualdade e a justiça e muito mais. Nosso primeiro alvo é a Câmara dos Lordes – somente quando ela cair e uma Câmara dos Cidadãos surgir em seu lugar, seremos nós, o povo, realmente capazes de começar, juntos, a mudar activamente o nosso futuro.

Vemos a adopção de assembleias de cidadãos, tal como defendida por XR, como um passo positivo para consertar o nosso sistema político falido e melhorar a tomada de decisões.

Vamos transformar a política e melhorar a nossa democracia.

Imagem de manifestantes bloqueando uma rua com uma grande faixa com aspalavras "assembleias de cidadãosagora".

Imagem de FT

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